Religião “Universitária”
- Robson Oliveira

- 22 de ago. de 2018
- 3 min de leitura
Atualizado: 27 de jan. de 2024
Está em marcha uma religião “universitária”, isto é, uma religião que tem vergonha de si e quer “atualizar-se” para ser oferecida no altar da opinião pública
Nada nesse mundo satisfaz o coração humano. Decerto, a insatisfação com a natureza precária das coisas é sinal da sede de perfeição que mora no coração de cada indivíduo. Com efeito, o homem jamais se satisfaz com o rumo com que a natureza corre e procura minimizar a aspereza da vida, a agudeza do cotidiano. Para não parecer duro demais, chato demais, enfadonho demais, aterrorizante demais, boçal demais, inventam-se adjetivos que têm a propriedade mágica de tornar o horrível, belo; o ruim, bom; o chato, agradável; o profano, sagrado. No Brasil, essa propriedade mágica tem cabido ao adjetivo “universitário”.

Já perceberam que tudo o que é ruim, monótono, rasteiro e até imoral tem recebido o adjetivo “universitário”, com o intuito de minimizar as debilidades próprias dessas manifestações? Se o evento cultural tem uma carga histórica desagradável, aplica-se a ele o adjetivo “universitário” e tudo resolvido. Se tenho vergonha de um certo tipo de produção musical, que lembra interior, pobreza, simplicidade e caipirice, acrescenta-se ao produto o epíteto “universitário” e pronto. Houve um tempo em que tentou-se emplacar, no Rio de Janeiro, o Pagode “Universitário”, que teria o poder fantástico de tornar as músicas sentimentalmente melosas e conceitualmente raquíticas em verdadeiras obras-primas do cancioneiro popular, capazes de trazer um público mais “refinado” para as rodas de samba. Noves fora a pretensão injustificada de que alunos matriculados em qualquer instituição superior do Rio de Janeiro sejam mais refinados que quaisquer outro morador da cidade, o objetivo mesmo desse “quase” sufixo do pagode era atrair um público com mais poder aquisitivo, tentando distanciar o gênero musical de arquétipos culturais muito arraigados no imaginário carioca, muito embora bastante preconceituosos. O mesmo acontece com algum Sertanejo “Universitário” que, acreditando em sua recentíssima ascendência cultural superior, atrai um grupo de poder aquisitivo bastante alto, enquanto canta a plenos pulmões a esperteza de ter um colchonete no baú de uma Fiorino, para saciar suas paixões na madrugada do interior do país. Há até vampiros “universitários” nos cinemas e séries de televisão, personagens engraçadinhos, fofinhos, limpinhos, andróginos, quase humanos, em nada lembrando o que a literatura e a imaginação humanas impuseram a esse personagem do imaginário humano: cruéis predadores dos homens.
Ser “universitário” parece significar hodiernamente deixar de ser o que se é, a fim de ser mais agradável, inclusive ignorando limites morais. Quando surge o adjetivo “universitário” o que se diz entrelinhas é que não basta o que se é, urge que se atualize para seu não-ser, negando o que a opinião pública condena para ser aceito. Assim, há o samba “universitário”, que não é samba, pois não representa a alma do sambista; existe o sertaneja “universitário”, que não é sertanejo, pois até renega seu berço, o interior do país; até se pode encontrar o terror “universitário”, que não tem nada de aterrorizante, pois pasteuriza o tema do temor para alcançar o público conceitualmente hemofílico da atual juventude. Tudo isso, claro, movido pelo “politicamente correto”, pela opinião pública. É neste sentido que vai nossa reflexão: está em marcha uma religião “universitária”, isto é, uma religião que tem vergonha de si e quer “atualizar-se” para ser oferecida no altar da opinião pública.
A religião, como evento também cultural, não fica impassível a essa tentativa de pasteurização da ação humana. É frequente surgirem expressões religiosas que poderiam caracterizar-se “universitárias”, pois têm como proposta justamente negar o próprio do ato religioso. E aos católicos é ainda mais urgente a rejeição a essa pasteurização, pois – diferentemente dos gêneros musicais – seus conteúdos e preferências doutrinais não dependem de si mesmos. O que ocorre nas universidades brasileiras é justamente isso: a tentativa de anular o papel indecomponível da religião. A pressão que se faz nas universidades cristãs tem a tarefa de pasteurizar a religião. Eles diriam: “tudo bem, vocês podem ser religiosos, mas devem ser ‘universitárias’ “. Isto é, devem abandonar tudo o que é contrário aos dogmas da cultura laica, pois só assim a religião é tolerável: neutralizada, retirando-a da vida pública e, especialmente, da vida acadêmica.
O laicismo pretende calar os cristãos, aprisioná-los na vida privada. Notícia ruim: não vão conseguir, sem derramar (muito) sangue. O laicista não entende que ele lida com gente morta. E nada atemoriza os que não têm nada a perder. Ainda que haja os religiosos “universitários”, sempre restará aqueles que preferem a liberdade. E não se enganem: 12 pescadores, ou 12 pedreiros, ou 12 estudantes, ou 12 donas de casa, ou 12 crianças são muito mais que o suficiente para mudar um país!









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