Panelas e Pregadores

O que há de especial e inigualável nos matrimônios é que ele possui a capacidade de tornar especial e inigualável as coisas mais simples do cotidiano das pessoas. Para quem se dá em casamento, mesmo sem fé, um par de pantufas não é mais só um par de pantufas. Uma chupeta ganha um valor infinito, para quem se deu em casamento. Até o creme dental se transforma e recebe o signo do amor. Esses objetos simples trazem pendurados às costas o penhor da felicidade. No caso dos matrimônios cristãos, o que é inacreditável é que ele pode realmente transformar o chumbo do dia-a-dia em ouro que leva ao céu; pode transmutar miraculosamente as dores do trabalho deste mundo em gozo espiritual para o mundo que virá. O amor conjugal, tornado vínculo espiritual pelo sacramento, contagia com o sagrado tudo o que toca: semelhantemente ao Rei Midas, que em ouro transformava tudo o que caía em suas mãos, o amor conjugal possui o incrível poder de impor tons de eternidade à cinza monotonia que nos cerca.

A salvação da nossa família, a felicidade de nosso casamento, a santificação do nosso dia-a-dia encontra-se diante de nossos olhos agora, ao alcance de nossas mãos agora, à distância de uns passos agora; a felicidade que se busca permanece escondida nos fundos das panelas e sobre a tábua de passar, oculta do outro lado do cabo de vassoura e presa pelos pregadores nos varais de nossas varandas. Num sorriso ao subordinado, num “olá” a um desconhecido, num carinho despretensioso no cônjuge. Alguém precisa contar – e rápido! – para os jovens extraordinários de hoje, estes jovens magníficos que aspiram transformar o Brasil com ações magníficas e heroicas, que nada há de maior, nem de mais extraordinário que cuidar do ordinário de sua vida, com sua esposa e com os filhos que Deus lhes der. Se esses jovens soubessem a riqueza que existe num lar cristão, largariam tudo o que estão fazendo, venderiam tudo o que possuem para comprar esse terreno, com tão precioso tesouro.

Na história humana, acredite ou não no cristianismo, jamais houve pessoa mais extraordinária que Jesus de Nazaré e ele passou cerca de 90% do seu tempo vivendo uma vida ordinária. É preciso resgatar a importância da vida comum, da vida simples. É preciso louvar a vida oculta do homem comum... Pois a maioria absoluta das pessoas vive essa vida comum e simples. A vida oculta, vida de confiança e humildade. E até nesta vida escondida é possível realizar as ações mais importantes do Evangelho. Por exemplo, ao dar de comer ao faminto adolescente que mora na sua casa, ao cuidar do doente febril no berço do quarto contíguo, ao manter vigília diante da esposa cansada, temos a incrível oportunidade de realizar um dos mais difíceis mandamentos do cristianismo: realizamos concretamente o “tive fome e me destes de comer”; “estive nu e me vestistes”; “doente e me visitastes” (cf. Mt 25, 34ss). Com efeito, o famoso texto evangélico não parece excluir o cumprimento desta prática de caridade na modalidade de serviço doméstico. Em nenhum lugar se diz que dar de comer a quem tem fome só vale se o faminto não for sua esposa. Em nenhum trecho o Evangelho afirma-se que cobrir o nu é meritório, apenas quando não for sua bebê recém-nascida ou seu pai idoso.

Veja, sob esta perspectiva, o lar cristão se abre como um campo repleto de oportunidades e alternativas sem par. Lugar de doação e crescimento. Oblação e aprendizado. Pois em cada um dos membros do lar, começando do maior até o menor, podemos vislumbrar o rosto daquele que disse: “todas as vezes que fizestes isso a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a mim mesmo que o fizestes”.

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