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Um doce dever

Não há contradição entre essas duas características do ato de amor: as exigências do ato de amor e as improvisações do amor. Há, entretanto, os que acreditam ser impossível escrever amor ao lado de dever. Creem que a obrigação derivada do dever contradita com a espontaneidade natural do amor. Por isso, muitas pessoas defendem que os verbos dever e amar não podem coabitar na mesma frase. O Evangelho de São João ensina algo diferente: quem ama Jesus, faz o que Ele diz (cf. Jo 14, 23). Fica evidente, segundo o Evangelho, a relação entre amor e vida prática. Aliás, o texto deixa claro que o amor demonstra sua existência pela capacidade de informar às atitudes práticas daquele que ama.

E a história do pensamento universal já consignou essa relação íntima entre o amor e as ações concretas. Uma das mais conhecidas máximas, sobre a identidade entre aqueles que se amam, diz o seguinte: amar as mesmas coisas e odiar as mesmas coisas (idem velle, idem nolle) é o segredo do amor entre amigos. Portanto, está registrado na história da humanidade que o amor entre amigos exige que esse relacionamento produza mudança naquele que ama. Aliás, aquele que ama submete seus atos concretos à adequação que o amor impõe, sob o risco de se pôr em dúvida a existência do amor, se a ação concreta não se configura como deve: “quem não me ama, não guarda minha palavra “. É o descaso pelas opiniões e desejos do amado sinal inequívoco de que ou não há amor, ou há amor doente.

Pelo contrário, quem ama se sente intimamente obrigado a derramar-se pela pessoa amada, mas essa é uma doce obrigação. Quem ama impõe-se o dever de fazer o possível pela felicidade da pessoa amada, mas também esse é um doce dever. Quem ama sente que, de certo modo, vive algo como um cárcere, mas é uma doce prisão. Com efeito, quem ama sabe que, se esse amor não transbordar pelas mãos e não inundar a vida daquele que ama, corre-se o risco de tudo parecer apenas palavras, palavras vazias. E palavras vazias não sustentam relacionamentos.

Há, contudo, os mesquinhos que sustentam a liberdade absoluta do amor. Dizem que se quisessem ser obrigados a algo, seriam judeus ou muçulmanos. Dizem que o Evangelho veio libertar o homem do peso da lei. Dizem que escolheram ser cristãos para não serem obrigados pela lei mosaica. Dentre os muitos problemas, um mais evidentes é a visão moralista da fé. O critério último para o seguimento de Jesus, segundo o mesquinho crente, é a absoluta independência dos conteúdos da fé do cumprimento de deveres morais precisos. Amar Jesus, mas não seguir o que ele diz.

Não, meu caro. Não é questão de escolha. Os cristãos não escolhem entre uma ou outra fé. Você ainda não entendeu profundamente. Os cristãos fomos comprados e comprados por preço altíssimo. Não escolhemos essa ou aquela fé (a não ser existencialmente, mas não é o caso aqui). O preço pelo homem foi pago na Cruz e, de posse desse dado, não cabe mais medir quanto me custará moralmente seguir Cristo ou não. Procurar medir o Evangelho segundo o tanto que ele exige de mudanças morais de mim revela, simultaneamente, a falta de profundidade da fé, assim como desnuda a pequenez de um coração capaz de medir o cristianismo pelo metro do próprio incômodo e desconforto.

Enfim, os mesquinhos dizem que não admitem relação entre amor e dever porque não pretendem que seus relacionamentos sejam incomodados pelo dever que o amor exige. Dizem que preferem a espontaneidade do amor ao cárcere do dever. Na verdade, esconde-se nessa pseudo-defesa do amor um coração pequeno, uma alma liliputiana, um ser humano autocentrado. E isso porque por detrás do discurso “Amar, sim! Dever, não!” está a verdade de alguém que não abre mão de suas escolhas por ninguém, alguém que não muda seus objetivos profissionais por nada, alguém que secunda os compromissos familiares em favor de todo tipo de distração.

Um lar cristão precisa ouvir o Evangelho de São João: quem ama, segue as palavras de Jesus. O amor, e o amor conjugal com maior razão, precisa dar provas de sua existência derramando-se concretamente por Deus, antes de tudo, mas também pelo cônjuge e pelos filhos. Amor sem compromisso é só um modo pomposo de travestir a própria hipocrisia.

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