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Se toda detração é Pecado contra o Espírito Santo

1. Introdução:

Essa reflexão está baseada, por razões contingentes, no texto de Santo Tomás de Aquino, na Suma Teológica. Mas por motivo de clareza, utilizar-se-ão também de outras fontes para esclarecimento da questão, especialmente para determinar o objeto dessa reflexão.

Importa definir primariamente o que é o Pecado contra o Espírito Santo. Assim o define catafaticamente o Catecismo da Igreja Católica, no §1864. Comete Pecado contra o Espírito Santo:

Quem se recusa deliberadamente a acolher a misericórdia de Deus pelo arrependimento rejeita o perdão de seus pecados e a salvação oferecida pelo Espírito Santo.

O Catecismo Maior, de São Pio X, oferece uma definição ainda mais aberta no item 962:

Chamam-se estes pecados particularmente pecados contra o Espírito Santo, porque se cometem por pura malícia.

Atente para o fato de que não fica claro o que é malícia para o leitor do Catecismo Maior e sua definição não aparece em todo o documento. De outro lado, São João Paulo II oferece um texto belíssimo na Dominum et Vivificantem, 46, de 1986. É um pouco mais longo mas lança luzes importantes sobre o tema:

Por que a «blasfêmia» contra o Espírito Santo é imperdoável? Em que sentido entender esta «blasfêmia»? Santo Tomás de Aquino responde que se trata da um pecado «imperdoável por sua própria natureza, porque exclui aqueles elementos graças aos quais é concedida a remissão dos pecados». Segundo uma tal exegese, a «blasfêmia» não consiste propriamente em ofender o Espírito Santo com palavras; consiste, antes, na recusa de aceitar a salvação que Deus oferece ao homem, mediante o mesmo Espírito Santo agindo em virtude do sacrifício da Cruz. Se o homem rejeita o deixar-se «convencer quanto ao pecado», que provém do Espírito Santo e tem carácter salvífico, ele rejeita contemporaneamente a «vinda» do Consolador: aquela «vinda» que se efetuou no mistério da Páscoa, em união com o poder redentor do Sangue de Cristo: o Sangue que «purifica a consciência das obras mortas». Sabemos que o fruto desta purificação é a remissão dos pecados. Por conseguinte, quem rejeita o Espírito e o Sangue permanece nas «obras mortas», no pecado. E a «blasfêmia contra o Espírito Santo» consiste exatamente na recusa radical de aceitar esta remissão, de que Ele é o dispensador íntimo e que pressupõe a conversão verdadeira, por Ele operada na consciência. Se Jesus diz que o pecado contra o Espírito Santo não pode ser perdoado nem nesta vida nem na futura, é porque esta «não-remissão» está ligada, como à sua causa, à «não-penitência», isto é, à recusa radical a converter-se. Isto equivale a uma recusa radical de ir até às fontes da Redenção; estas, porém, permanecem «sempre» abertas na economia da salvação, na qual se realiza a missão do Espírito Santo. Este tem o poder infinito de haurir destas fontes: «receberá do que é meu», disse Jesus. Deste modo, Ele completa nas almas humanas a obra da Redenção, operada por Cristo, distribuindo os seus frutos. Ora a blasfêmia contra o Espírito Santo é o pecado cometido pelo homem, que reivindica o seu pretenso «direito» de perseverar no mal — em qualquer pecado — e recusa por isso mesmo a Redenção. O homem fica fechado no pecado, tornando impossível da sua parte a própria conversão e também, consequentemente, a remissão dos pecados, que considera não essencial ou não importante para a sua vida. É uma situação de ruína espiritual, porque a blasfêmia contra o Espírito Santo não permite ao homem sair da prisão em que ele próprio se fechou e abrir-se às fontes divinas da purificação das consciências e da remissão dos pecados.

Percebe-se que o Pecado contra o Espírito Santo é muito mais uma negação da Graça do Perdão do que outro assunto. É muito mais a recusa da Misericórdia e da Salvação oferecida por Deus do que um ato positivo de rebeldia. É mais fechamento do que movimento. É o que escreveu o Papa Bento XVI em sua magistral obra Dogma e Anúncio sobre o reconhecimento de que cada homem é pecador:

O fato de que na história de Deus apareça em primeiro lugar a lei e a seguir o Evangelho, talvez indique que também hoje, ainda e sempre, de novo, há estádios da proclamação que são irreversíveis. Não se pode pregar a graça a um homem cuja consciência emudeceu e que não conhece os valores morais mais corriqueiros. Para que ela possa intervir, ele deve saber primeiro que é um pecador.

Se o Pecado contra o Espírito Santo se relaciona primariamente com Deus e apenas colateralmente com as criaturas, como entender a questão que se segue: se a Suma Teológica garante a afirmação de que o pecado de detração é sempre um pecado contra o Espírito Santo? Será necessário entender o núcleo da detração e da inveja.

2. Natureza do pecado de detração

O Aquinate afirma, na Suma Teológica, IIa-IIae, q. 36, art. 4, ad. 3, que a detração é filha da inveja. Daí se deduz que seu objeto é a virtude teologal da Caridade, visto que o invejoso peca por deficiência de tal virtude. Afirma o Doutor Angélico:

O número das filhas da inveja pode ser explicado da maneira seguinte, porque, no seu desenvolvimento, há na inveja algo que exerce a função de princípio, algo que tem o papel de meio e algo que desempenha o de fim. O princípio consiste em o invejoso diminuir a glória de outro; ocultamente, como é o caso da murmuração; ou manifestamente, como se dá com a detração.

Fica evidente, então, que a detração é filha da inveja e que tem por objeto o bem da honra e fama de outrem. Contudo, não fica claro que a inveja é, por natureza, causa do pecado contra o Espírito Santo. Aliás, o Catecismo de São Pio X, no número 961, aos citar os 6 tipos de Pecados contra o Espírito Santo, cita a inveja como causa desse pecado, mas com ressalvas:

Os pecados contra o Espírito Santo são seis: 1º) desesperar da salvação; 2º) Presunção de se salvar sem merecimentos; 3º) combater a verdade conhecida; 4º) ter inveja das graças que Deus dá a outrem; 5º) obstinar-se no pecado; 6º) morrer na impenitência final.

A explicação sobre a lista que contém os 6 tipos de pecado não se encontra no Catecismo Maior, mas é evidente, para quem conhece a obra do Aquinate, que é sua origem remota é a Suma Teológica, IIa-IIae, q. 14, art. 2, co.

Mas, em contrário, diz Agostinho, que os que desesperam do perdão dos pecados, ou os que, sem méritos, presumem da misericórdia de Deus, pecam contra o Espírito Santo. E ainda quem morre na obstinação do coração é réu de pecado contra o Espírito Santo. E noutra obra afirma que a impenitência é pecado contra o Espírito Santo. E noutra: lesar a um nosso irmão com olhos invejosos é pecado contra o Espírito Santo. E ainda quem despreza a verdade é maldoso para com os irmãos a quem a verdade foi revelada, ou ingrato para com Deus, cuja inspiração dirige a Igreja, pecam todos, assim, contra o Espírito Santo.

É necessário, porém, realizar um esforço nada pequeno para afirmar, à luz do Aquinate e apenas da Suma Teológica, que todo o tipo de inveja se enquadra no gênero de inveja contra “as graças que Deus dá a outrem”. E mais: é preciso muito jogo de cintura para provar que a detração é do mesmo gênero de pecado. Para tanto, é necessário determinar que a detração, natural filha da inveja por diminuição manifesta da glória de outrem, é perfeitamente idêntica em todos os casos e sem gradação. Além de determinar que toda e qualquer inveja visa o bem do próximo, o que não parece nada fácil de se realizar, tendo em vista só o texto de Santo Tomás.

3. A inveja visa sempre o bem do próximo e é sempre Pecado contra o Espírito Santo?

Noves fora a leitura descuidada que faz o incauto, é possível perceber que o Aquinate reconhece diferença nos tipos de inveja que existem. Santo Tomás diz explicitamente que há aquela inveja que é pecado mortal e até capital, mas há uma outra que é pior: que é considerada Pecado contra o Espírito Santo. Pode-se ler na ST IIa-IIae, q. 36, art. 4, ad. 2:

Há, porém, uma certa inveja considerada como um dos mais graves pecados, e é a inveja da graça fraterna, que nos leva a nos entristecermos com o aumento mesmo da graça de Deus e não só, com o bem do próximo. Por isso, é considerada como pecado contra o Espírito Santo; porque por ela, o homem de certo modo inveja o Espírito Santo, glorificado nas suas obras.

Ora, se há “uma certa inveja” que leva ao Pecado contra o Espírito Santo, deve-se concluir que há uma outra que não leva. Logo, não se pode deduzir assim, açodadamente, que toda inveja é causada necessária e absolutamente pela tristeza pelo bem que pertence a outrem. Portanto, nem sempre a inveja é causa do Pecado contra o Espírito Santo.

4. A detração é sempre Pecado Contra o Espírito Santo?

Essa é a questão principal dessa reflexão. Encontra-se na Suma Teológica tal proposição? Parece que não. Antes, na Suma Teológica, q. 73, art. 2, co., pode-se ler, após o Doutor Angélico afirmar que os pecados por palavras devem ser julgados pela intenção que:

Pode dar-se, porém, que digamos às vezes certas palavras em detrimento da reputação alheia, não com essa intenção, mas, com outra. O que é detrair, não essencial e formalmente, mas só materialmente falando e como por acidente. E se for o caso que profiramos tais palavras, em detrimento da boa reputação alheia, tendo em vista algum bem ou alguma necessidade, observadas as circunstâncias devidas, não há pecado, nem a tais palavras se pode chamar detração. Se as proferirmos, porém, por leviandade de alma, ou sem nenhuma necessidade, não há pecado mortal. Salvo, se as palavras ditas forem de tal modo graves que lesem notavelmente a reputação alheia, sobretudo no que diz respeito à honestidade de vida; pois então, tais palavras, pelo próprio gênero delas, tem natureza de pecado mortal.

É possível ler no texto que o Aquinate chega a sustentar que alguma detração, dependendo de certos condicionamentos,  não é nem pecado mortal, que se dirá Pecado contra o Espírito Santo. Detrair a honra de alguém por inveja de seus dotes físicos ou intelectuais é algo realmente ignóbil e repugnante. Mas, ao arrepio do texto da Suma Teológica, que o Doctor Humanitatis defendeu isso explicitamente no seu texto também não se deve fazer.

5. Conclusão

Parece claro, a partir dos textos apontados, que o Santo Tomás de Aquino não sustenta que a detração (assim mesmo, absolutamente) sempre se apresenta como Pecado contra o Espírito Santo. Antes, à luz dos textos magisteriais, detrair a honra de alguém apresenta-se sob a forma de tão grave pecado quando acresce à detração  uma recusa formal à Graça e à Redenção. Então, combater a verdade conhecida e ter inveja da Graça que Deus dá a outrem só se apresentam como pecado contra o Espírito Santo quando, segundo o Aquinate,  se configuram “rejeição ou desprezo dos meios que podem impedir o homem de fixar sua escolha no pecado” (ST, IIa-IIae, q. 14, art. 2, co.). Sem esses condicionamentos, tais pecados graves e mortais não se constituem formalmente como caso de Pecado contra o Espírito Santo.

Portanto, defender a partir da obra magna de Santo Tomás de Aquino que toda detração é pecado contra o Espírito Santo não é algo fácil de se sustentar. O espírito da verdade exige que se demonstre de onde esta afirmação decorre no texto do Doutor Angélico.

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