Salvação Universal: é possível?
- Robson Oliveira

- 8 de mar. de 2019
- 3 min de leitura
No fim dos tempos, ou haverá uma restauração de todas as coisas à sua pureza original (e não se pode escolher entre café ou chá), ou não se terá certeza de que todas as pessoas serão salvas (mas se poderá escolher entre Mozart ou Beethoven)
Apocatástase (ἀποκατάστασις, em grego) é o termo utilizado por alguns Padres da Igreja para a doutrina da renovação universal, que acontecerá ao final da história, retornando toda a criação ao estado de pureza original. Nicola Abbagnano[1] coloca Orígenes entre os padres entusiastas dessa tese. Contudo, a apocatástase dos cristãos não é idêntica às doutrinas estoica e pitagórica, que entendiam o termo como um retorno cíclico do cosmos não à sua pureza original, mas a um caos primitivo, a partir do qual o mesmo mundo retornaria, seguindo o mesmo script: com os mesmos personagens e as mesmas etapas. Para os Padres, o ciclo de mundos teria início em uma queda original; além de os mundos que se sucedem não serem os mesmos, pois entra em jogo a liberdade. E esse é o ponto importante!
Com efeito, muito se tem falado sobre a possibilidade da salvação universal dos homens no fim da história. Mas parece que a atenção está demasiadamente voltada para a capacidade de salvar-nos e para o desejo de nos dar a vida feliz, ambas realidades no Deus Todo-Poderoso. Há outro aspecto pouco refletido.
De fato, a crença em uma salvação ou restauração universal, à revelia dos indivíduos e alheia à sua vontade, impacta muitos aspectos teológicos, como a Onipotência ou a Providência Divina. Mas há também a questão antropológica de fundo. Se a vida humana atual é um teatro, uma brincadeira de crianças que fingem ser médicos, que fantasiam ser esportistas, que imaginam ser donas de casa, se a vida humana é só isso: um sonho conjunto em que acreditamos sermos livres, então é possível que o final da história reserve uma surpresa um tanto desagradável aos que vivem conscientemente fugindo das virtudes, das responsabilidades ou de Deus. Entretanto, se a vida não é um teatro e se as escolhas cotidianas entre café ou chá; entre Flamengo ou Vasco; entre a Tijuca ou a Ilha, entre Niterói ou São Gonçalo, entre bem e mal; se essas escolhas são reais, se o homem é livre afinal, então não tem cabimento imaginar uma ação divina no apagar das luzes da história, que salvasse a todos, inclusive aqueles que não querem ser salvos, aqueles que querem ficar longe do bem, da verdade e da beleza.
O assunto é complexo, mas pode ser simplificado na seguinte expressão: no fim dos tempos, ou haverá uma restauração de todas as coisas à sua pureza original (e não se pode escolher entre café ou chá), ou não se terá certeza de que todas as pessoas serão salvas (mas se poderá escolher entre Mozart ou Beethoven). De outro modo, o que está em jogo é a liberdade! Se a tese da salvação universal é verdadeira e não há escolha entre servir a Deus ou não, então a vida humana é uma piada, uma pegadinha de Deus. Ao final da caminhada humana Ele dirá a todos: agora chega! Todos me adorem! Não, os cristãos somos dogmáticos quando o assunto é liberdade. Cremos que o homem é livre, o que dá outro peso às ações pessoais em sociedade, mas tem como consequência a responsabilidade inescapável diante da aceitação do convite de Deus à sua vida na Graça.
Na verdade, quem espera a salvação universal, quem acha que tanto faz seguir esse ou aquele deus, deve gostar muito do Serginho Mallandro! Eu, sinceramente, não gosto muito desse tipo de piada… Os cristãos têm clareza do peso de ter a salvação por um fio, mas também da concomitante graça de ser filho e livre; de outro lado, não veem razões para a defesa da salvação universal, com o preço de tornar os homens escravos de um destino inexorável. Somos imagem e semelhança de Deus. Por isso, não é razoável afirmar que Ele violentaria a liberdade da criatura que criou para amá-lO livremente.
[1] ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1999.









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