Ortotanásia é a “eutanásia” do católico?
- Robson Oliveira
- 30 de ago. de 2019
- 4 min de leitura
É muito ruim quando profissionais de outras áreas se metem a doutores em filosofia. E está muito frequente esse tipo de fenômeno. Parece que há um rejuvenescer do interesse pela filosofia em nosso país, mas esse sentimento é falso. O que existe é engenheiro achando que conhece filosofia, historiador fazendo cosplay de filósofo, psiquiatra dando uma de doutor em ética, advogado “refutando” Kant nas horas vagas. Ao contrário do que parece, esse tipo de espírito não valoriza a ciência filosófica, mas a instrumentaliza e mutila. Recentemente vimos um caso típico do positivismo e do reducionismo que acompanham tais disposições por aí.
A discussão versava sobre os critérios de moralidade, muito embora poucos participantes do debate soubessem disso. Por isso, uma colaboração que esclareça esse ponto é urgente.
Ato humano e ato de homem
Não é de conhecimento comum que há ações humanas diferentes, com graus de comprometimento, gravidade e malícia distintos. Nem tudo que sai das mãos do homem possui a mesma natureza moral. Em razão de características específicas, um ato pode ser responsabilidade do agente ou não.
O que determina se uma ação é capaz de ser dita moral ou não é se nasce do interior do homem: se é um ato livre e consciente. De modo simples, para que a ação humana seja capaz de julgamento moral é preciso que concorram simultaneamente nesse ato, vontade e inteligência. Há graus de intensidade e conhecimento aqui, mas não vem ao caso agora. Chama-se ato de homem ao ato em que faltam um ou ambos os elementos e ato humano àquele que guarda integralmente esses dois elementos.
Ultrapassado esse ponto fundamental, sobre a distinção entre o que é imputável e o que é inimputável, importa determinar qual a moralidade do ato humano: se é bom ou mau. São os critérios de moralidade.
Critérios de moralidade
Três são os critérios de moralidade:
Objeto: a matéria do ato ( p. ex. esmola) Intenção: objetivo imediato do ato (matar a fome do necessitado) Finalidade: objetivo remoto do ato (agradecer a Deus pelos bens com que nos cumula).
* A circunstância, tradicionalmente colocada entre critério moral, é – na verdade – agravante ou atenuante do ato e, portanto, não muda o tom moral.
Para a ética filosófica, o ato moral bom precisa ser integral, isto é, se houver um critério moral mau na constituição da ação, todo o ato humano está comprometido.
É por essa razão que a ética determina não existirem atos humanos neutros moralmente. Se concretamente é possível a existência de objetos morais neutros (como escovar os dentes), a intenção ou finalidade dará o tom moral do ato como um todo.
E é nesse sentido que se diz que “os fins não justificam os meios”. Essa máxima ética sustenta que há meios concretos (ações efetivamente) da ação humana que precisam ser evitados absolutamente, não importando se a finalidade da ação é boníssima – o famoso “case” do Robin Hood, que não transforma em virtude seu roubo só porque o objetivo é doar aos pobres.
Fins e meios: um caso para esclarecimento
De fato, os meios não são indiferentes, para a ética. Fins bons não igualam as ações concretas para a consecução desses fins. Dizer que quaisquer meios se equivalem na ação moral é desconsiderar solenemente esses conteúdos morais, com uma sem-cerimônia estranhíssima para quem está habituado à reflexão ética.
Pois veja bem: não é porque os métodos naturais igualam-se à camisinha nos seus fins, que os atos são idênticos. Ainda que, na intenção, os atos possam eventualmente igualar-se por uma intenção contraceptiva injusta, no objeto eles se distinguem francamente: os métodos naturais não fazem com que um ato sexual fecundo se torne infecundo e – portanto, não separam os dois fins do ato conjugal -, enquanto o preservativo objetiva separar o caráter unitivo e procriativo, tornando um ato fecundo, infecundo. Há um abismo entre os dois objetos, pela natureza mesma deles: os métodos naturais não são maus pois usam dos ritmos naturais da fecundidade feminina, ritmos pela natureza mesma impostos; o preservativo interfere nesse equilíbrio, sabotando a fecundidade feminina e mudando sua natureza para alcançar apenas os prazeres do ato sexual, sem os custos de uma gravidez.
Alguém pode dizer, contudo, que o objeto “preservativo” não é mau em si. E nisso tem razão quem argumenta. De fato, numa prateleira, sobre a mesa, o objeto material não é moralmente ignóbil. Mas contra-argumento dizendo que, nesse sentido material, nem a bomba atômica é má em si. Outra verdade, contudo, é que uma intenção boa não pode tornar um objeto moral mau, bom. A confusão aqui é confundir objeto material com objeto moral. Nesse caso, o objeto moral não é o objeto material “camisinha” mas o ato de separar o caráter unitivo e procriativo do ato sexual entre casados. Logo, vê mal o problema quem o vê apenas materialmente, sem uma visão metafísica e ética razoável.
Portanto, identificar o uso dos métodos naturais com o uso de camisinha é deturpar a sã filosofia. Chamar os métodos naturais de “camisinha” de católico demonstra mais a incapacidade ética e metafísica de quem o afirma do que falta de generosidade de casais ou compressão do problema.
Um exercício dialético
Mas vamos fazer um exercício. Digamos que a argumentação fosse correta: digamos que os objetos morais “camisinha” e “Billings” fossem idênticos porque se igualam nos seus fins. Pergunto: a ortotanásia igualar-se-ia à eutanásia também? Afinal, o fim dos dois atos é o mesmo: a morte de um doente. Alguém defenderia que ortotanásia é a “eutanásia” do católico? Ou que o dízimo é a “extorsão” do católico porque resulta no mesmo, que a saída do dinheiro de um a outro? Que a produção de imagens é a “idolatria” do católico pois termina com prostração idêntica a dos idólatras?
Pra quem é filosoficamente anêmico, a ortotanásia é idêntica à eutanásia pois terminam no mesmo fim. A camisinha é idêntica aos métodos naturais pois resultam no mesmo. Mentir ou falar a verdade podem parecer o mesmo, se o fim é convencer a alguém de algo bom.
Eu não conheço tribunais, processos ou juízos. Não sou teólogo, médico ou… perito. Mas é evidente que uma abordagem moral decente sobre sexualidade precisa possuir excelentes profissionais de todas as áreas possíveis e não pode, de modo algum, ressentir-se de excelentes profissionais de filosofia. Caso contrário, poderá acontecer de alguém equiparar vasectomia e abstinência, só porque olhando com o olhar de perito, as duas práticas resultam na infecundidade do ato sexual.
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