O que aconteceria se…

Tivesse a oportunidade de entrevistar Hans Küng

É claro, é só um exercício literário…

*

* *

– Então, senhor  Küng, meu nome é Robson e gostaria de entrevistá-lo para minha revista. O senhor me permitiria fazer-lhe algumas perguntas?

Com um sorriso maroto entre os lábios o teólogo responderia:

– Claro! Por que não? Sua revista não é a que gosto de ler mas nós somos do diálogo.

Abaixando os olhos e ticando itens em seu bloco de notas, o pseudo-repórter continuaria:

– Ótimo! Comecemos, então. Há algum tempo o senhor disse que seria bom se o Papa Bento XVI se aposentasse. O senhor acha que todo Papa deve ter idade máxima de pontificado? É isso mesmo?

Com ar de altivez, começaria o teólogo…

– Sim, acho sim. Veja bem (enquanto cruza as pernas e põe a mão no queixo), assim como os bispos do mundo todo, o papa também deve deixar o cargo a partir de certa idade e…

O entrevistador interrompe o teólogo progressista resoluto.

– Desculpe, senhor Küng. E qual é a idade, na opinião do senhor, em que os papas deveriam renunciar?

Olhando para o entrevistador, o teólogo faz uma pausa demonstrando irritação. Um pouco seco e sem jeito responde, enquanto tamborila o braço da cadeira de madeira.

– Entendo que 80 anos é uma boa idade.

A conversa continua no mesmo ritmo.

– Posso perguntar o porquê?

– Veja bem, (pigarreando e imposta a voz adotando um tom mais grave e professoral) a função de um papa exige demais, tanto física quanto mentalmente. Disse a Südwestundfunk, na entrevista publicada ontem que o senhor certamente leu, que um Papa temporário é melhor. No caso de Bento XVI, que já está com as potências intelectivas debilitadas pela idade, é melhor que se aposente.

Ticando no seu bloquinho o repórter indaga.

– O senhor acha, então, que um papa com mais de 80 anos sofre riscos mentais por causa da idade?

– Sim, veja, meu filho, com mais de 80 anos, o risco de se cometer bobagens é grande. A senilidade não faz diferença entre Papas e outros homens. Precisamos abandonar esses clericalismos… Não é uma ofensa a Bento XVI ou a qualquer outro. Qualquer homem, a partir dessa idade, corre o risco de pensar e dizer imbecilidades e…

Interrompido novamente:

– Imbecilidades, o senhor disse?

– Sim, imbecilidades. E veja…

Interrompido novamente:

– E a causa é a idade. As pessoas dizem imbecilidades por estarem velhas demais. É isso?

Visivelmente irritado, responde o teólogo:

– Sim, meu caro. Afinal, todos sofrem a ação do tempo. A ninguém está vedada a possibilidade de perder o nexo com a realidade. Nem o Papa! Por isso, em nome dos que assinaram o Pacto das Catacumbas e sendo porta voz de diversos leigos, defendo que…

Com voz determinada, o repórter pergunta ao teólogo. Clara e calmamente:

– Senhor Küng, qual é a sua idade?

Um longo silêncio tomou lugar na conversa, que vinha animada. O rosto do teólogo alemão tomou uma cor rósea. Os olhares trocados revelavam uma batalha no seu ocaso. Entre dentes, e com uma irritação indisfarçável, o teólogo responde:

– Oitenta… (o entrevistador olha o entrevistado, quase dizendo que falta algo nessa resposta. Segundos depois vem o que se esperava) e quatro.

Mais silêncio… Com um sorriso no canto da boca, o entrevistador continua a conversa:

– E o senhor, quando vai se aposentar?

#Crônicas