O Negro Bom
- Robson Oliveira

- 25 de out. de 2018
- 2 min de leitura
Estereótipos são muito poderosos porque simplificam a vida. E é natural no homem buscar a simplicidade na mesma proporção em que foge da complexidade. Para entender nossa multifacetada forma social, alguns simplismos surgem vez ou outra. Há, entre nós, o estereótipo do bom negro.
O negro bom está sempre de bom humor. Tem sorriso frouxo. Ele canta quando a fome bate a porta. Faz samba pra esquecer o amor impossível. Rap, quando a larica bate forte e o desemprego incomoda. Só quer seu pandeiro e bumbo, sua nega e uma palhoça.
O negro bom muito agradece ao amigo do governo a vaguinha na Prefeitura, muito agradece aquele cargo comissionado no Detran, muito agradece o bico na secretaria de saúde da cidade. O negro bom gosta da proximidade simbiótica e parasitária com o poder.
O negro bom não imagina renegar políticas assistencialistas. Criticar ações de cotas ou políticas afirmativas de qualquer natureza é impensável para o negro bom. Ele é politizado, com o cuidado de nunca ultrapassar o limite de deixar de ser tutelado pelo governo.
O negro bom não aceita piada com temas raciais porque gosta de marcar a chaga da tensão racial para assim perpetuar indefinidamente no tempo os privilégios que a escravidão e o sofrimento de outros lhes trouxe.
O negro bom é uma versão menos nojenta do X9. É uma cosplay soft do traidor, pois o traidor pode negar um valor, um princípio ou uma pessoa em nome de outros princípios, outros valores ou mesmo para salvar outras pessoas. O negro bom é egoísta e sorri , e faz samba, e faz passeata de olho na novela das 6h, por causa de motivos prenhes de egoísmo.
Nunca ouvi uma só música do Mano Brown, mas ele não se encaixa no estereótipo do neguinho bom. Ainda que evidentemente cooptado pela Máfia da MPB (por isso, estava no palanque. Simonal nunca seria convidado ao microfone), há algo da alma do negro fujão no Rapper que veio à tona, há algo nele que ainda resiste. E isso surpreendeu os que querem manter os negros na senzala cultural (e espiritual!) de sempre. Isso sempre surpreende aqueles que esperam dos negros um sorriso e um “muito obrigado”, logo após comprarem seu apoio ou calarem divergência com favores e benefícios econômicos para os “negros bons”. Mano Brown arriscou perder negócios porque sabe que não se podem perder os próprios valores nem negar os próprios princípios.
O Brasil precisa resistir a essa tara pelo negro bom. O país precisa romper com essa herança escravocrata, pois é disso que se trata. Trata-se de elencar o que um grupo pode fazer e pensar, escolher uns poucos desse grupo para simular liberdade e isonomia, e depois tutelar e conduzir o rebanho para o lado mais conveniente à classe dominante.
Se os estereótipos são verdadeiros, de modo geral, no mundo concreto não dão conta das exceções, que superam em muito a mediocridade dos estereótipos. O progresso, a dignidade e a vanguarda sempre encontram-se reunidos nesse pequeno grupo, que resiste à simplificação e à universalização.
Se um dia eu me transformar num desses negros bonzinhos, calando os anseios do meu espírito fujão, alguém me dê uma coça com uma perna de três, por caridade.










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