O diálogo teológico entre católicos e ortodoxos
- Robson Oliveira
- 5 de mai. de 2019
- 6 min de leitura
O Oblatvs traduziu e publicou artigo importante sobre o andamento do diálogo entre a Igreja Católica e a Ortodoxa. Abaixo reproduzimos o texto, com destaque para os pontos de maior interesse no nosso ponto de vista.
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O diálogo teológico, conduzido pela Comissão mista internacional entre a Igreja Católica e a Igreja Ortodoxa no seu conjunto, conheceu algumas dificuldades, mas, graças à firme vontade de prosseguir na busca de superação dos obstáculos ainda existentes, expressa por todos os seus membros, não se deteve.
A Comissão, que é composta por dois representantes de cada uma das quatorze Igrejas ortodoxas autocéfalas (Patriarcado Ecumênico, Patriarcados de Alexandria, Antioquia, Jerusalém, Moscou, Sérvia, Romênia, Bulgária, Geórgia, Igrejas de Chipre, Grécia, Polônia, Albânia e das terras da República Tcheca e da Eslováquia) e por outros representantes da Igreja Católica, encontrou-se em Viena de 20 a 27 de setembro de 2010, sob a presidência do então arcebispo Dom Kurt Koch, presidente do Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos, e do metropolita de Pérgamo, Ioannis Zizioulas, do Patriarcado Ecumênico. A reunião de Viena foi a XII sessão plenária da Comissão, cuja instituição foi oficialmente anunciada com a Declaração comum subscrita pelo Patriarca Ecumênico Dimitrios I e por João Paulo II ao término da visita deste último ao Fanar em 30 de novembro de 1979. A hospitalidade oferecida pela arquidiocese de Viena foi generosa, e preciosa mostrou-se também a colaboração da Fundação Pro Oriente.

Reprodução
A sessão plenária de Viena foi dedicada ao estudo, já começado na sessão precedente de Chipre (2009), da questão do papel do bispo de Roma na comunhão da Igreja no primeiro milênio, tendo como base um texto elaborado pelo Comitê misto de coordenação em 2008. Com este texto – que, com uma metodologia prevalentemente de tipo histórico, levava em consideração os elementos históricos mais relevantes – pretendia-se prosseguir com a reflexão sobre o tema do primado na Igreja universal, inaugurada com a sessão plenária de Ravena (2007). Naquela sede, de fato, a Comissão havia aprovado e publicado um documento com o título As consequências eclesiológicas e canônicas da natureza sacramental da Igreja: comunhão eclesial, conciliaridade e autoridade, no qual católicos e ortodoxos afirmavam conjuntamente, pela primeira vez, a necessidade de um primado a nível de Igreja universal e concordavam que este primado cabia à sé de Roma e ao seu bispo, enquanto reconheciam ainda aberta a questão relativa à modalidade de exercício do primado, aos fundamentos escriturísticos e às interpretações históricas.
Baseando-se sobre importantes afirmações do documento de Ravena, a Comissão havia elaborado um projeto de trabalho, segundo o qual a atenção se concentraria sobre o primeiro milênio quando os cristãos do Oriente e do Ocidente estavam unidos.
Durante a reunião de Viena, a Comissão prosseguiu com a análise atenta e acurada dos fatos históricos e dos testemunhos relativos ao tema em questão. A busca de uma interpretação de tais dados compartilhada por todos revelou-se uma operação muito complexa, que exigiu estudo aprofundado e diálogo paciente. Malgrado o empenho dispendioso, não foi possível chegar a um acordo para a publicação de um documento comum. Alguns membros expressaram sua perplexidade diante da possibilidade de aprovação de um texto de caráter essencialmente histórico por parte de uma Comissão teológica. Eles, como teólogos e pastores, não se sentiam suficientemente competentes para exprimir juízos sobre questões históricas assaz complexas, sobre as quais frequentemente não há unanimidade nem mesmo entre especialistas na matéria. Outros membros, por seu turno, sublinharam que, para permanecer fiéis ao mandato contido no documento de Ravena, era necessário examinar não somente o papel do bispo de Roma, mas também o dos concílios.
Depois de uma longa discussão, a delegação católica aceitou considerar o texto em exame como um instrumento de trabalho que poderá mostrar-se útil nas próximas etapas do diálogo, quando se discutirá o tema do primado a partir de uma perspectiva mais teológica. Ao mesmo tempo, decidiu-se, de comum acordo, dar vida a uma subcomissão mista que comece a estudar os aspectos teológicos e eclesiológicos do primado em relação à sinodalidade e que deverá sucessivamente submeter o próprio trabalho ao Comitê misto de coordenação em vista da redação de um novo documento.
Nos meses sucessivos, os dois presidentes da Comissão mista, o cardeal Koch e o metropolita Ioannis, chegaram a um acordo sobre alguns aspectos práticos concernentes à nova subcomissão mista, como, por exemplo, o número de membros, o método de trabalho, as datas. À luz do substancial acordo alcançado sobre cada um destes pontos, pode-se prever que a subcomissão supramencionada concluirá sua tarefa num tempo razoavelmente breve.
Nesta perspectiva, o resultado da sessão plenária de Viena não pode ser considerado um retrocesso. A escolha de prosseguir com o diálogo adotando uma perspectiva mais teológica representa uma possibilidade para refletir com maior profundidade sobre o tema do primado. Ademais, o grande trabalho feito pelo estudo e interpretação comum das fontes do primeiro milênio relativas ao papel do bispo de Roma será precioso para a elaboração de um documento teológico sobre o primado e sinodalidade.
O trabalho da Comissão mista internacional para o diálogo teológico se desenvolve no quadro de relações eclesiais entre católicos e ortodoxos caracterizadas, no curso do ano passado, por um clima positivo. Entre os numerosos exemplos que se poderiam citar, há de se recordar ao menos dois eventos de particular relevância: a Jornada de espiritualidade russa no Vaticano, ocorridas em 17 e 18 de maio, com a presença em Roma do metropolita Hilarion, presidente do Departamento para as relações eclesiásticas externas do Patriarcado de Moscou, durante a qual o Patriarca Kyrill quis oferecer um concerto a Bento XVI em ocasião do quinto aniversário de sua eleição ao sólio pontifício; o encontro de Bento XVI com o arcebispo de Nea Justiniana e de toda Chipre, Chrysostomos, e os membros do sínodo da Igreja Ortodoxa de Chipre, durante a viagem apostólica do Santo Padre à ilha, de 4 a 6 de junho, o primeiro de Bento XVI a uma nação de maioria ortodoxa. Recordando a viagem a Chipre na alocução à Cúria Romana, em 20 de dezembro de 2010, o Papa afirmou significativamente: “Permanece inesquecível a hospitalidade da Igreja ortodoxa que pudemos experimentar com grande gratidão. Ainda que a plena comunhão ainda não nos tenha sido dada, constatamos com alegria todavia que a forma basilar da Igreja antiga nos une profundamente uns aos outros: o ministério sacramental dos Bispos como portadores da tradição apostólica, a leitura da Escritura segundo a hermenêutica da Regula fidei, a compreensão da Escritura na unidade multiforme centrada em Cristo, desenvolvida graças à inspiração de Deus, e enfim, a fé na centralidade da Eucaristia na vida da Igreja“.
As boas relações entre a Igreja Católica e a Igreja Ortodoxa favoreceram ainda encontros e diálogos a nível local. Pense-se, só a título de exemplo, no II Fórum católico-ortodoxo sobre o tema “Relações Igreja-Estado: perspectivas teológicas e históricas“, promovido pelas Conferências episcopais católicas da Europa e por representantes das Igrejas ortodoxas presentes na Europa e realizado em outubro passado na Ilha de Rodes, graças à generosa hospitalidade do Patriarcado Ecumênico. Os trabalhos do Fórum contribuíram para a tomada de consciência das convergências já existentes sobre questões sociais e éticas de importância crucial para o presente e o futuro da Europa e da humanidade e da importância de um empenho comum para revitalizar o patrimônio dos valores cristãos, aplicando-os às exigências e às necessidades atuais da sociedade europeia. Baseando-se sobre a grande proximidade das respectivas doutrinas morais e sociais é desde já possível, e fortemente desejável, que católicos e ortodoxos empreendam juntos projetos concretos de colaboração para o suporte dos valores de inspiração cristã que constituem a matriz da civilização e da cultura europeias.
A busca da plena comunhão entre as duas Igrejas, que é o escopo último ao qual o diálogo teológico se destina, nestes últimos tempos encontrou um novo estímulo na consciência comum de dever afrontar juntos os urgentes desafios colocados pela hodierna sociedade secularizada, às vezes hostil à mensagem cristã. Na mensagem dirigida ao Patriarca Ecumênico, Bartolomeu, por ocasião da festa de Santo André, no último 30 de novembro, Bento XVI afirmou: “Num mundo marcado por uma crescente interdependência e solidariedade, somos chamados a proclamar com renovada convicção a verdade do Evangelho e a apresentar o Senhor Ressuscitado como a resposta às mais profundas perguntas e aspirações espirituais dos homens e das mulheres de hoje. Para podermos alcançar esta grande meta, devemos continuar a progredir no caminho em direção à plena comunhão, demonstrando que já unimos nossos esforços de um comum testemunho do Evangelho diante dos homens de nosso tempo“. Com esta convicção, a Igreja Católica prossegue, em diálogo com a Igreja Ortodoxa, o seu empenho pela restauração da plena unidade visível entre todos os que creem em Cristo.
Andrea Palmieri Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos
Fonte: Oblatvs
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