Não tenho filhos: meu matrimônio é nulo?
- Robson Oliveira
- 8 de set. de 2019
- 4 min de leitura
Esse é um caso que afeta principalmente casamentos de pessoas com fé, mas pode acontecer também com matrimônios onde os seus participantes não nutrem nenhuma religião concreta. Se você se encontra no segundo grupo, tenha um pouco de paciência e me dê um voto de confiança. Vamos lá! Vou demonstrar, ao final, como esse tema também se aplica a você.
Um casal de minha cidade deu o azar de ser orientado por um desses sacerdotes super-católicos, um desses que acha que as Portas do Inferno prevaleceram sobre a Igreja há 60 anos (Deus o perdoe!). Ocorre que o casal não conseguia ter filhos e, segundo as informações que me contaram, depois de ouvir o tribunal de um homem só de Nova Friburgo-RJ, o sacerdote declarou nulo o casamento do rapaz. Resultado concreto: a mulher abandonou o matrimônio, foi morar em Nova Friburgo, tem filhos com outra pessoa, tudo sob as bênçãos do clero que sabe mais que a Igreja. Ah, o rapaz está abandonado na minha cidade… Isso é que dá cismar que é melhor que os outros. Você torna-se vítima preferencial de embusteiros e aproveitadores. Mas qual foi o problema? O que fez a menina, raquítica humana e espiritualmente, ser enganada? Além da confiança desmedida em conselheiros infiéis, a própria má formação sobre o sacramento do matrimônio!
Qualquer pessoa que se dê em matrimônio precisa saber quais são os fins do matrimônio. Pois bem, dois são os fins do enlace matrimonial: formar uma comunidade de amor pela união do casal e; gerar e educar os filhos que Deus quiser enviar à família. De posse desse dado natural e comum a todos os homens, disponível nos manuais de moral mais famosos, o super-clérigo – meio apressadamente, meio superficialmente, como sói acontecer com os super-católicos – concluiu que, se o casal não tinha filhos, não cumpria um dos fins do matrimônio e, por isso, o matrimônio era nulo.
Sem perceber a diferença entre finalidade e natureza, o super-clérigo e o juiz eclesiástico auto-togado não detiveram-se na tola decisão de determinar nulo um matrimônio, sem competência para tal, mas também incitaram a menina a contrair um “novo” matrimônio, um que lhe desse filhos, o que efetivamente aconteceu.
O erro básico, juvenil – daqueles que se acham superiores ao clero do resto do mundo -, foi confundir a natureza de algo com sua finalidade. Pois veja: o homem tem como finalidade conhecer e amar a Deus , de tal forma que, o não cumprimento desses fins certamente tornará o homem infeliz, ao final de sua vida. Contudo, a natureza humana é absolutamente distinta da finalidade e em nada menoscaba sua constituição o descumprimento eventual dos fins da natureza humana. De outro modo: a natureza humana não mudará, nem será destituída, caso algum homem não cumpra os fins para qual foi criado. Será homem infeliz, mas será um homem. O super-clérigo e o juiz solitário, incompetentes filosoficamente, concluíram que se não há cumprimento de um dos fins do matrimônio, não há matrimônio. É como dizer a seguinte absurdidade: se o homem não seguiu o fim de sua natureza, homem ele não é!
O que constitui o matrimônio é a decisão livre e consciente de formar uma comunidade una, indissolúvel, fiel e fecunda. Essas são as notas essenciais do matrimônio, de todo matrimônio, notas que garantem a validade do sacramento, no caso de quem tem fé, e que garantem um casamento humano, no caso de se ressentirem dela. O que tornaria o matrimônio nulo seria o desejo, estabelecido antes da constituição do sacramento, de fechar-se à prole indefinidamente. Essa situação atentaria contra a fecundidade do matrimônio, que certamente é a capacidade de gerar filhos na carne, mas não só.
Se a fecundidade do casal significasse apenas geração física, os matrimônios estéreis seriam nulos, pois não há possibilidade de geração natural nesses casos. A dupla de super-clérigos errou ao confundir a incapacidade natural em gerar com o desejo premeditado de não-gerar. O primeiro caso não é negação do princípio de fecundidade, o segundo é fechamento do dom da vida e rejeição do princípio. A incapacidade de gerar, do primeiro, é involuntária e, por isso, não atenta contra o matrimônio; a incapacidade de gerar, do segundo, é voluntária e, pode sim, ser caso de nulidade matrimonial.
Se o casal não tem fé, por mais razões não pode concluir que a esterilidade do casal seja prova de que seu casamento está fadado ao fracasso ou, numa reflexão extensiva, não aconteceu (chama-se casamento e não matrimônio porque é um vínculo natural, não elevado à dignidade do sacramento). O vínculo esponsal é, em certa medida, também natural e possui as mesmas notas características. E a impossibilidade natural de ter filhos não é impedimento para o bom termo do casamento. Por isso, os casais sem fé, que se ressentem por não terem filhos, não precisam lançar sombras sobre seu relacionamento. Ainda que de forma natural, o vínculo guarda uma bondade e justiça naturais, mesmo que impossibilitados de gerar filhos.
A todos os casais fica, porém, a advertência: um mau conselho, dado por pessoas ineptas e imprudentes, pode ser o ponto de desequilíbrio da personalidade de alguém e pode destruir toda a história de uma família. Uma palavra estulta e o frágil equilíbrio de um matrimônio pode ser abalado. Só um tolo confunde esterilidade com a ação concreta e premeditada de evitar os filhos no matrimônio. Por isso, escolha melhor seus conselheiros e orientadores.
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