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Machado for Dummies

Embora muitos não saibam, a cultura grega impregna a vida do homem comum, desde a mais tenra idade até o entardecer da vida adulta. Teatro, democracia, medicina são legados dados ao ocidente pela Grécia. A filosofia também é uma dessas heranças e, por ser tão presente no ocidente, resquícios de sua influência são facilmente encontrados aqui e ali. Conceitos técnicos como “Paradigma”, “Cogito”, “Dialética”, “Consciência de Si” ganharam as conversas e ultrapassaram os limites da academia. Nesse sentido, talvez não haja sentença mais célebre que a de Sócrates: “só sei que nada sei”.

Repetida à exaustão, a máxima socrática é usada como sinônimo de impossibilidade para a verdade, como coringa em situações constrangedoras. Por exemplo, ao ter de determinar o responsável por uma tragédia, o membro do poder público saca Sócrates e esgrima: “só sei que nada sei”; numa conversa informal sobre o responsável do setor médico, que tem poder sobre seus subordinados e que os chantageia, murmura o pequeno funcionário entredentes: “só sei que nada sei”. Sócrates é usado para justificar nossa covardia em denunciar o erro e malversação da coisa pública, para eximir-nos da responsabilidade pelo mal que um erro profissional pode causar a outros. Mas não é bem assim. A frase do mestre de Platão quer destacar o caráter positivo da verdade, antes que o negativo. Por causa da enormidade da sabedoria é que sabemos muito pouco. Sócrates tem uma perspectiva otimista quanto à inteligência humana e não o contrário.

Pois bem, o enunciado socrático é uma defesa do homem comum, do homem inculto. Como a verdade é muito mais do que eu posso alcançar, não é impossível que alguém reconhecidamente simples me ensine algo (como comprovou Sócrates com o relato do escravo Mênon). Nada mais contrário ao nosso tempo! A cultura brasileira desse início de século sofre de uma sintomática amnésia socrática. Os mestres atuais esqueceram-se dessa lição helênica. Alguns dos nossos contemporâneos têm certeza que sabem mais que os outros e tomaram para si a tarefa e o dever de ensiná-los, arrancando-os das trevas da ignorância. É essa a pior faceta da já ridícula e vergonhosa decisão do governo brasileiro de simplificar Machado de Assis para o público. Resolveu-se em algum escritório anti-socrático que uns sabem e outros jamais saberão. Por isso, é necessário facilitar a literatura. Algo como Machado for Dummies!

Com efeito, o que pensaríamos de um maestro que, para simplificar a públicos menos refinados uma peça de Chopin, resolvesse trocar deliberadamente um ou outro andamento, uma ou outra nota de execução mais difícil? Certamente concluiríamos que o resultado seria outra coisa que não mais a obra de Chopin. Ainda seria música, decerto, mas configuraria uma grande falsificação, pois ofereceria como clássico ao público um genérico pop de fácil deglutição.

Até quando o governo brasileiro e agora também os seus acadêmicos tratarão seus concidadãos como imbecis, incapazes de elevar-se à altura dos clássicos?

Esse artigo saiu primeiramente na Gazeta do Povo, mas não está disponível.

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