Deus não existe – Dawkins e Matematização da Natureza
- Robson Oliveira

- 29 de mai. de 2018
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O escritor Richard Dawkins tem feito fama e vendido muito livro criticando os crentes e negando a existência de Deus. Ele tem utilizado a Teoria da Evolução de Darwin para afirmar que a natureza como conhecemos decorre do acaso e do desenvolvimento irracional da matéria. Para quem conhece um pouco de história das religiões ou teodiceia, nada de novo. Outros pensadores durante os séculos já defenderam e argumentaram mais e melhor sobre o tema. A diferença atual é o barulho que uma mídia mundial e (quase) instantânea é capaz de fazer. Ademais, acerca das “convicções” do autor, dado curioso é a recente admissão do Design Inteligente, uma teoria compatível entre ciência e fé no que concerne à origem da natureza (veja como ele fica desconfortável diante de um repórter de profissão). O objetivo deste post, no entanto, é esclarecer sobre uma das premissas utilizadas por Dawkins et caterva no debate em questão.
Uma premissa utilizada neste debate pelos que desejam negar a existência de Deus é a afirmação quase dogmática (sic!) de que todo conhecimento verdadeiro deve ser, necessariamente, formalizável. Tudo o que é verdade deve ser matematizável, pois este recurso torna os conhecimentos imparciais e afasta o relativismo que há em toda linguagem natural. Eis como pensam ordinariamente os defensores deste critério.
O Sofisma da Matematização
Argumento em favor da Matematização da Natureza: a sociedade hodierna reconhece que entre a opinião e a ciência há uma diferença enorme. É incontestável que o ocidente alcançou grande parte de seu crescimento e desenvolvimento a partir da preponderância da ciência sobre as opiniões, pessoais e sociais. A ciência seria a melhor intermediária entre o homem e a natureza, melhor que as opiniões e muito melhor que as religiões, e o cientista seria o responsável de, atento à natureza, traduzir a natureza em língua humana. Ora, parece que o princípio que melhor ouve a língua da natureza e que a descreve de modo mais exato é a formalização do conhecimento, de outro modo: a matemática. Com efeito, ou fundamenta-se a ciência sustentando-a sobre aquilo que é em si mesmo contingente, imperfeito, impreciso e particular, enfim, no que é material e, então, se terá como critério de verificabilidade a experiência; ou pode se ter como “pedra de toque” o que é necessário, universal, preciso, perfeito, enfim formal. Eis o critério lógico-matemático! Ora, fazer ciência do que é, mas poderia não ser (definição de contingência) é subverter o sentido mesmo da ciência, que deve ser válida sempre e para todos. Assim, parece que o princípio de verificabilidade dos conhecimentos científicos mais confiável é a redução a princípios matemáticos. Aliás, é o que nos aconselha Descartes:
Considerando que, entre todos os que precedentemente buscaram a verdade nas ciências, só as matemáticas puderam encontrar algumas demonstrações, isto é, algumas razões certas e evidentes, não duvidei de modo algum que não fosse pelas mesmas que eles examinaram[1].
De fato, uma das posturas mais utilizadas ultimamente na ciência é verificar a coerência interna das novas hipóteses concomitantemente a sua “boa convivência” com teorias maiores ou mais abrangentes – denominadas meta teorias. Assim, muitos cientistas ao lerem um artigo sobre física, antes de qualquer coisa, examinam a coerência interna do texto e depois “esfregam” a nova hipótese na Teoria da Relatividade Restrita, por exemplo, para garantirem que não há incongruências entre as hipóteses. Caso haja incompatibilidades, a nova teoria é previamente descartada, pois a Relatividade Restrita é uma meta teoria cujas outras devem estar a ela submetidas. Como não sentir a influência de Thomas Kuhn no que concerne ao papel da comunidade científica?

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Perceba-se que nesta perspectiva epistemológica não se convoca a realidade para ser árbitro da disputa. É uma tensão entre hipóteses. Interessa apenas que as inferências lógicas a partir de certa premissa estejam corretas e que a nova teoria científica se adeque às teorias majoritárias. Além de ser caracterizado pela utilização de previsões totalmente desvinculadas da experiência, pois seus objetos não são perceptíveis[2], este princípio de verificabilidade possui outras notas distintivas: primeiramente, dá caráter de realidade a resultados matemáticos desde que se adequem ao “mainstream” científico – é o que ocorre com a Teoria do Big Bang e o Efeito Doppler. Em segundo lugar, admite como razoável as teorias que possam ser mensuráveis ou descritas de modo matemático, como ocorre com a Teoria da Radiação Residual Cósmica, aceita previamente porquanto ratificava a meta teoria do Big Bang e confirmada anos depois por Penzias e Wilson. Uma vantagem deste critério de verdade tem ainda duas vantagens muito grandes em relação a outros: 1) a matemática não possui ambiguidades conceituais como as línguas ordinárias, o que torna a compreensão do conteúdo transmitido mais seguro e unívoco; 2) por causa disto, a formalização da linguagem científica torna mais fácil a reprodução das experiências com segurança e fidedignidade.
Esta postura científica, muito comum e até hegemônica no início do século XX, foi denominada Matematização, pois se caracteriza por adotar como princípio de verificabilidade dos conhecimentos científicos, isto é como princípio de boa tradução, a possibilidade de serem formalizados seja por mensuração, seja por adequação ou coerência a teorias maiores. Para esta reflexão, a redução do verdadeiro ao que é internamente lógico e coerente e ao que é matematizável se denominará Matematização.
Não obstante, visto que acima identificamos duas notas distintivas no conceito que agora denominamos de Matematização, cabe aqui um esclarecimento. A primeira nota diz respeito ao princípio enquanto é coerente e se harmoniza às teorias estabelecidas e faz referência ao Logicismo ou Coerentismo; a segunda trata do princípio enquanto passível de mensuração e quer referir ao Matematismo. Por este motivo, sob o conceito de Matematização, o qual diz respeito ao princípio de tradução da natureza que reduz o cognoscível ao que é formalizável, serão subsumidos os conceitos de Matematismo, que reduz o cognoscível ao que é formalizável por mensuração, e Logicismo, que reduz o cognoscível que é formalizável por coerência ou por não-contraditoriedade[3].
Crítica à Matematização Científica: Embora pareça bastante bem montada argumentação, rapidamente se vê que há uma erro crasso, um ponto fraco que derruba toda a estrutura montada. Como o demolidor que, ao destruir o prédio não derruba andar por andar, mas destruindo o primeiro traz consigo a cobertura, também não vamos discutir ponto por ponto da tese, mas apontaremos apenas para o maior equívoco da tese.

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Bem, a premissa forte da Matematização é a redução de toda natureza a equações matemáticas. Ora, a expectativa que o real fale matemática não é sustentável. A matematização não pode ser critério para verificabilidade do valor de verdade das teorias científicas, pois possui como axioma fundamental que “todo saber verdadeiro deve ser matematizado”. Ora, e este saber axiomático? Que régua pode medir seu valor de verdade? De qual fórmula matemática se deduz tal premissa? Ora, não há qualquer modo de deduzir o critério de verdade da matemática de uma equação matemática. Logo, a matematização da natureza não pode servir como critério nas realidades físicas, muito menos para análise da natureza. Ou será possível medir a beleza de uma tela renascentista? Ou mensurar o nível cultural de uma nação? Ou a verdade de uma expressão? Se a pergunta sobre a verdade pode soar estranha ou sem sentido para o matemático ou para o físico, é porque a verdade é antes de tudo um problema humano[4]. E porque os matemáticos e físicos têm de abstrair o homem em sua pesquisa, não se colocam o problema da verdade. Ao homem, porém, a pergunta do problema humano e metafísico precede a pergunta do problema matemático[5]. Mas Dawkins não pode saber disso, pois sua formação humana é claudicante.
[1] DESCARTES, Renée. Discurso do Método. Os Pensadores. Ed. Abril. São Paulo. 1973. p. 47.
[2] Movimento retilíneo uniforme, Onda monocromática, Planos perfeitos são abstrações e não realidades. Diz Meyerson: “A prata pura é, como a alavanca matemática, o gás ideal ou o cristal perfeito… uma abstração”. Identité et Réalité. P. 17. Daujat, Op. Cit. p. 20.
[3] Cabe alertar que se pode ser um Matematista ainda que se professe um empirismo ferrenho. É que o matematismo pode não se manifestar na gênese do conhecimento, todavia pode servir como critério: Tudo o que é verdadeiro deve ser passível de matematização. Eis o Matematismo num empirista ingênuo.
[4] PHILIPPE, Marie-Dominique. Vérité de la connaissance scientifique – Cahiers de l’Université Libre des Sciences de l’Homme. Mathematiques et Sciences de la Nature. Janvier, 1990, Bulletin Periodique nº 4. pág. 5.
[5] MORFIN, Bruno. Idem. Editorial. pág. 3: “Ainsi donc, mieux connaître la spécificité e la portée propre de la pensée scientifique ne peut que contribuer à mieux comprendre l’originalité du mode de penser philosofique, menacé à tout moment par la tentation positiviste si prompte à attribuer à la science un monopole de rationalité et à la détourner de sa véritable vocation”.









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