Deus Ciumento
- Robson Oliveira

- 27 de mai. de 2018
- 3 min de leitura
O Deus de Israel é um Deus Ciumento. Essa frase pode parecer demasiado antropomórfica, pode parecer muito autocentrada, mas reflete bastante bem um aspecto curioso de Deus. Com efeito, se há um Deus e se Ele é Amor, então sua relação com o homem deve ser exclusiva, pois o Amor não aceita rivais. É um dado de experiência – especialmente para os casados – que o amor não aceita segundo lugar. Nunca vi (e suponho que não exista) qualquer esposa que aceite algo menos do que tudo num relacionamento amoroso. A ideia de amor com prazos e limites é contra intuitivo e fenomenologicamente inexistente. Quem diria à sua filha: “Amo-te, minha querida, nos meses pares, mas não nos ímpares”; 0u à mãe: “Adoro-te, de 8h00 às 22h”; ou ainda à esposa: “Dou-te todo o meu amor, segundas, quartas e sextas, no horário comercial”. Não se vê essa atitude pois o amor não faz contas, não mede esforços, não admite rivais. Esse é o ensinamento derivado do texto de Deuteronômio 4, 39:
Reconhece, pois, hoje, e grava-o em teu coração, que o Senhor é o Deus lá em cima no céu e cá embaixo na terra, e que não há outro além dele.
Mas atenção: não apenas de objetos maus e desproporcionados à vida humana – evidentemente -, mas também de objetos bons e saudáveis, honestos e importantes é preciso se desvencilhar para deixar-se preencher com o Amor de Deus. Decerto, os objetos maus não podem roubar nossa atenção e nosso cuidado para com as coisas de Deus, mas igualmente não o podem objetos considerados justos e honestos. Pois a idolatria não se refere primeiramente a mim, idólatra, mas a Deus, que foi espoliado de sua dignidade pelo idólatra injusto.
Veja que os ídolos são rejeitados explicitamente pela Sagrada Escritura porque roubam a honra e a dignidade que são devidas apenas a um. Logo, mesmo quando a família, a boa-fama, o trabalho, a saúde – todos objetos bons ou pelo menos neutros – elevam-se acima de sua própria dignidade para usurpar um lugar que é de Deus, automaticamente se transformam em ídolos, em bezerros de ouro.
Ora, a rejeição ao bezerro de ouro, registrada no Antigo Testamento, não tem nada a ver com a figura do animal ou com o material de que o objeto foi feito. Deus rejeitaria a atitude dos israelitas do mesmo modo se o animal fosse um ganso e o material de que foi feito fosse gelo. O problema não é o ouro ou o bezerro, mas a pretensão de eleger para si e para a comunidade um outro Deus, que não o Deus de Israel. Nesse sentido – e esse é outro ponto importante -, Israel nem precisaria ter produzido estátua alguma para atrair a repreensão de Deus, pois como foi demonstrado, o problema não é a figura ou o material da estátua, mas a atitude de não pôr Deus acima de suas próprias preferências e de seus próprios interesses.
A crise de fé pela qual passa a contemporaneidade, crise apontada por Bento XVI e Francisco, é também uma crise de sentido, uma crise no “para quê” da vida humana e de suas atividades. Em razão de perdermos o sentido profundo das coisas é que propiciamos exemplos tão radicais e historicamente únicos como os chocólatras, workaholics, sexaholics e toda uma procissão de compulsões e manias, catalogadas em manuais de psiquiatria. Restaurar o sentido das coisas, colocando-as cada uma em seu lugar, é já o início da restauração do altar, que receberá Aquele Nome que está – e deve sempre estar – acima de todo nome. Pois não há outro nome pelo qual o homem pode ser salvo ou se tornar feliz, nem lá no alto, nos Céus, nem cá embaixo, na Terra.










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