Catolicismo “Iluminado”
- Robson Oliveira
- 13 de jul. de 2018
- 4 min de leitura
Há tantos neo-agnósticos universitários quanto católicos “iluminados”. O ponto comum destes dois fenômenos é um só: a crise de fé. Não da fé pessoal, mas da fé apostólica. O Credo Apostólico é o remédio contra a doença que toma parte de nossos contemporâneos.

Assim como o neo-agnóstico, que na maioria dos casos é um crente cagão, um outro fenômeno tem acontecido em torno das igrejas, com pessoas com as quais lidamos e amamos. Dessa vez, porém, o fenômeno parece predominar entre os católicos, muito embora nada obsta que ocorra também em outros credos e situações culturais. Trata-se do fenômeno que ocorre a certo grupo de católicos, que tem “a experiência derradeira”, encontram “a verdade da religião”. Por isso, denominam-se católicos “iluminados” ou “esclarecidos”, para se distanciarem daquele grupo crédulo, simples, que não “conhece” as coisas que libertam dessas práticas comuns como terço, oração, piedade do homem comum. O Papa Bento XVI falou algo sobre o assunto há algum tempo atrás:
Quem não tem respeito pela verdade é incapaz de construir o bem. Onde a verdade não é honrada, não podem florescer a liberdade, a justiça e o amor. A verdade, e precisamente essa verdade simples, humilde e paciente da vida de todos os dias, é o fundamento de todas as virtudes. Não me refiro à grande verdade sobre Deus, o mundo e o homem, mas à pequena verdade do cotidiano, embora as duas estejam indissoluvelmente ligadas. Quem se dispõe a pisotear levianamente a pequena verdade nunca poderá ser uma testemunha digna de confiança da grande – Papa Bento XVI.
Eles menosprezam a fé do homem simples em nome de uma fé de iniciados… Os cristãos “esclarecidos” geralmente são pessoas que foram educadas (desde o berço ou já na adolescência e idade adulta) no cristianismo, mas especialmente no catolicismo, aprenderam algo da doutrina católica sobre metafísica, antropologia, cosmologia, além de – obviamente – pneumatologia, eclesiologia, soteriologia, cristologia e todos esses tratados importantes da filosofia e da teologia. Mas então, como que por um milagre – se eles ainda acreditassem nesse conceito “medieval” -, algo novo aconteceu. Eles “descobriram” que toda religião é “do Espírito”. Assim, com “E” maiúsculo mesmo. O católico iluminado percebe que toda a organização cristã é empulhação, é um jeito de um grupo (o clero) dominar o resto do povo (os leigos). Então, esse indivíduo mui refinado, que estudou filosofia, teologia e línguas graças à Igreja, tem visão esclarecedora: seguir Cristo, mas sem a Igreja; cristianismo, sim, mas em “Espírito”; Jesus, mas sem essas estruturas eclesiais que engessam e aprisionam a verdadeira Igreja, o verdadeiro povo de Deus. O católico “iluminado” nem desconfia que o pressuposto de seu original entendimento (clero versus leigo) é já premissa cripto marxista, ou filo-liberal, premissa essa que necessita ser demonstrada e não aceita sem explicação, pois a mera aceitação cega desta distinção denuncia justamente que o “iluminismo” desses católicos dura muito pouco.

Para o cristão “iluminado”, as Cruzadas são um absurdo. Afinal, o que vai se pregar senão mais um perspectiva em meio a outras? Nada mais falso.
O Católico “Iluminado” olha de cima para o povo nas paróquias, olha de cima para a piedade dos mais velhos, olha de cima para a fé do homem simples. No seu coração ele diz: “se soubessem o que eu sei, não seguiriam esse pilantra aí na frente”. Será que o católico iluminado acha mesmo que não sabemos que todo sacerdote tem pés de barro? Será que “o esclarecido” acredita tanto na sua autoproclamada sabedoria que pensa que não sabemos dos males que afligem a Igreja? O que ele terá visto em Roma, no Vaticano, na Terra Santa ou em qualquer outro lugar que não se possa encontrar, em menor escala, em qualquer paróquia do interior do país? A única informação realmente relevante, que justificaria seu olhar desdenhoso para com a fé do povo simples, era visitar o Santo Sepulcro e não encontrar o túmulo vazio. Afora esse dado simplesmente inovador, todo saber e conhecimento alcançados pelo “esclarecido” católico sem fé são apenas conteúdos sem forma, são testemunho da cisão entre razão e fé.
Há tantos neo-agnósticos universitários quanto católicos “iluminados”. O ponto comum destes dois fenômenos é um só: a crise de fé. Não da fé pessoal, mas da fé apostólica. O Credo Apostólico é o remédio contra a doença que toma parte de nossos contemporâneos. O dogmatismo dos “iluminados” e o ceticismo dos neo-agnósticos têm no Absoluto um limite e um porto seguro para a reflexão humana.
O Católico “Iluminado” é, na verdade, um caso que se repete na história. Embora esteja a nos cercar contemporaneamente, não é verdade que seja um fenômeno exclusivo da pós-modernidade. O perenialismo, por exemplo, pode ser vislumbrado sob o contorno intelectualista desses católicos “iluminados”. Ou não é verdade que tais personagens praticamente repugnam a realidade da Igreja Católica, com suas estruturas e mazelas, em nome de uma catolicismo desencarnado, a-histórico e racionalista? A identidade de fundo de todo fenômeno religioso, segundo eles, se reduziria a uma unidade fundacional a-histórica e universal, nomeadamente metafísica, para além de qualquer experiência empírica. Assim, a essência do fenômeno religioso e as estruturas históricas dessa ou daquela religião específica seriam dispensáveis, pois é justamente a especificidade histórica, a imperfeição humana, enfim, a matéria a responsável pelo vilipêndio da pura experiência religiosa, que é maximamente filosófica e intelectual. O perene em toda busca religiosa não se encontra no mundo ordinário, mas nos princípios filosóficos metafísicos, a despeito desse ou daquele evento religioso concreto. De um modo simples, as religiões assemelham-se a itinerários concretos para a volta a Deus; para o perenialismo não há caminho errado, todos os caminhos levam a Deus.
O cristianismo, pelo contrário, se distingue por causa de um evento: o Verbo se fez carne. Depois desse fato, intelectualismo algum tem a última palavra, reflexão alguma pode pautar o discurso. Não é que qualquer via serve ao homem, pois foi revelado que só há um Caminho. O Católico “Iluminado” ainda não sabe, mas caminha a passos largos para a heresia, num caminho sem bom termo.
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