A Fidelidade não é um vício
- Robson Oliveira

- 24 de mar. de 2019
- 4 min de leitura
A hermenêutica contemporânea defende que todos os esforços de conversão e de melhorias humanas, como a busca por virtudes, devem ser desprezados e tomados por soberba, por moralismo hipócrita. Os que lutam para ser fiéis ao Evangelho e a Deus, cumprindo com suor e lágrimas os mandamentos, esses devem ser punidos pois sua fidelidade é falsa e ofende os pródigos. Assim, vemos como não apenas a infidelidade, o desperdício, a ingratidão, a luxúria, a avareza do mais moço é tolerada e até canonizada, enquanto se pretende penalizar a fidelidade, a laboriosidade, a gratidão do mais velho, daqueles que tentam ser fiéis ao convite de amor do Pai
Um dos relatos mais famosos do Evangelho é a Parábola do Filho Pródigo (Lc 15, 11 – 32). No início do meu processo de conversão, que se arrasta por décadas, era imediata a identificação que fazia com o Filho Pródigo: a infidelidade ao Pai Amoroso, o egoísmo de só pensar em si, o tempo e os recursos deixados em outros altares. O remorso por causa das más decisões tomadas durante minha vida até aquele momento estava estampado no rosto daquele jovem esbanjador, insensato e egoísta. Após esse primeiro momento, e depois de lutar as batalhas mais evidentes, outro personagem da parábola surgiu: o filho mais velho. Percebi-me invejoso, julgador dos meus irmãos que, por fraqueza ou não, se afastaram do Pai amoroso. Dói tanto ou mais reconhecer-se assim, um fariseu barato, quanto a dor do pródigo. Afinal, o pródigo se arrependeu e converteu-se e o mais velho acha que não precisa de conversão. Tanto a posição do mais novo como a do mais velho são deturpações da atitude necessária: de carinho e gratidão para com o Pai amoroso, aquele que ama os filhos incondicional e igualmente. Mas uma nova perspectiva tem aparecido para mim e trata de ser uma nova deturpação em relação ao filho mais velho.
No versículo 31 do capítulo 15 de Lucas pode-se ler:
“Filho, tu estás sempre comigo, e tudo o que é meu é teu” (Lc 31, 15).
O Pai diz que o afeto, a filiação, seu patrimônio sempre foi do filho mais velho. O fato de o primogênito ter permanecido fiel torna-o senhor, com o Pai, de tudo o que é da família. A acusação levantada injustamente contra o Pai pelo filho mais velho é de que ele o tratara como a um empregado e não como a um filho. O filho mais velho não compreendia a generosidade do Pai e, contra os fatos, via sua fidelidade punida, enquanto a infidelidade do mais moço fora premiada. Essa é a reflexão ordinária, mas há uma armadilha possível aqui.
Numa reviravolta pantomímica, é a fidelidade do filho mais velho a causa da reprimenda do Pai. Segundo essa interpretação, todos devem ser como os pródigos para de fato reconhecerem a misericórdia do Pai amoroso. Sob essa leitura inovadora, ser pródigo é a natureza humana; ser fiel ao Pai, a exceção ofensiva. Com essa imagem, a hermenêutica contemporânea defende que todos os esforços de conversão e de melhorias humanas, como a busca por virtudes, o esforço por receber os sacramentos, a luta por ser moralmente bom, tudo deve ser desprezado e tomado por soberba, por moralismo hipócrita, por puro exibicionismo moral. Os que lutam para ser fiéis ao Evangelho e a Deus, cumprindo com suor, sangue e lágrimas os mandamentos, esses devem ser punidos pois sua fidelidade é falsa e ofende os pródigos. Assim, vê-se como não apenas a infidelidade, o desperdício, a ingratidão, a luxúria, a avareza do mais moço é tolerada e até canonizada, enquanto se pretende penalizar a fidelidade, a laboriosidade, a gratidão do mais velho, daqueles que tentam ser fiéis ao convite de amor do Pai.
Na nova interpretação da Parábola do Filho Pródigo, o filho mais velho é hipócrita por ter ficado em casa, por não ter curtido a vida e seus prazeres, por não ter também traído o Pai. E por essa razão ele deve ser tratado como um empregado, como alguém que não é da família, e sua parte da herança deve ser retirada e dada ao pródigo, mesmo que não se arrependa e volte à casa paterna. É assim que muitos cristãos se sentem sob certas hermenêuticas atualizadas, sentem-se como pessoas que fazem o mal porque tentam obedecer filialmente o que entendem ser, em consciência e diante do Magistério da Igreja, a Vontade do Pai amoroso. Mas nesses dias conturbados, a fidelidade é considerada vício: não se é fiel à palavra dada, nem ao contrato assinado, nem ao matrimônio realizado, nem ao batismo solicitado. Num mundo assim, um filho mais velho acaba por acusar a ingratidão dos mais moços. Um filho mais velho torna-se uma vergonha para os mais novos.
Não, não é essa a mensagem do Pai aos filhos mais velhos. Não foi a fidelidade criticada por Nosso Senhor. O orgulho, a inveja, o rancor do irmão foi a causa da reprimenda aos mais velhos de todos os tempos. Entretanto, a fidelidade aos sentimentos e à pessoa do Pai outorgou a todos os filhos mais velhos o elogio: “o que é meu é teu”. Os primogênitos não devem lamentar-se por terem ficado em casa, os que lutam por virtudes não devem desculpar-se com os que não querem ou não conseguem lutar contra seus vícios. O que sempre se deve evitar é o julgamento rápido e fácil, que reduz o outro a umas poucas escolhas. Não cabe a filhos quaisquer julgamentos.









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